CRUZ E SOUSA, Joao



Madona da tristeza


Quando te escuto e te olho reverente

E sinto a tua graça triste e bela

De ave medrosa, tímida, singela,

Fico a cismar enternecidamente.


Tua voz, teu olhar, teu ar dolente

Toda a delicadeza ideal revela

E de sonhos e lágrimas estrela

O meu ser comovido e penitente.


Com que mágoa te adoro e te contemplo,

Ó da Piedade soberano exemplo,

Flor divina e secreta da Beleza.


Os meus soluços enchem os espaços

Quando te aperto nos estreitos braços,

solitária madona da Tristeza!



Vida Obscura


Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,

Ó ser humilde entre os humildes seres.

Embriagado, tonto dos prazeres,

O mundo para ti foi negro e duro.


Atravessaste num silêncio escuro

A vida presa e trágicos deveres

E chegaste ao saber de altos saberes

Tornando-te mais simples e mais puro.


Ninguém te viu o sentimento inquieto,

Magoado, oculto e aterrador, secreto.

Que o coração te apunhalou no mundo.


Mas eu que sempre te segui os passos

Sei que cruz infernal prendeu-te os braços

E o teu suspiro como foi profundo!




No one felt your obscure convulsion,
Oh to be humble among lowly beings.
Drunk, giddy from pleasure,
The world for you was dark and cruel.

You passed by in somber silence
Life bound to tragic duties
And you came to know of high learning
Making you simpler and more pure.

No one saw your uneasy feeling,
Afflicted, concealed and frightening, secret,
That in the world your heart is battered.

But I who have always followed your footsteps
Know what infernal cross bound your arms
And how profound was your breath!